domingo, 22 de julho de 2018

A ovelha mágica

Meu segundo filho é adotado, e sabe disso. Veio para meus braços bem bebezinho e imediatamente apaixonei-me por aquela coisa fofa. Era um pouco mais peludo que os outros bebês, mas ainda assim, talvez justamente por isso, encantador! Um belo dia, quando eu estava brava e prestes a aplicar um castigo nele, afinal mães precisam impor limites para sua cria (e eu nem tinha conhecimento de que ele aprendera a falar), ele olhou fundo nos meus olhos e disse:

- Mulher, é importante que você saiba. Você tem uma missão especial, que é a de me cuidar e proteger. Sou uma criatura mitológica muito especial, a reencarnação do Velocino de Ouro!

Fiquei atônita. Aquele tom grave, hipnotizante na fala, acreditei imediatamente no que ele me dizia! Mesmo porque, há muito já o havia apelidado: Ovelha Mágica! Era como o chamava carinhosamente, minha Ovelha Mágica! Que honra, pensei, ser guardiã de uma criatura tão importante! Foi por causa do Velocino de Ouro que Medéia conheceu os Argonautas e se apaixonou por Jasão, paixão avassaladora. Ajudou-o no roubo da pele sagrada e, para garantir a fuga, matou e esquartejou o próprio irmão para que, espalhando pedaços de seu corpo pelo mar, pudesse retardar seu pai, rei da Cólquida, que os perseguiria. E olha que isto é só o início da tragédia, que termina com esta mesma Medéia assassinando seus dois filhos num ato de vingança contra a traição de Jasão. Meu Deus, por quantas aventuras teria esta criatura mítica passado até chegar na sua atual forma, de Riblas (nome com o qual o batizei, e isso é uma outra história)!?

Eu já era uma mãe carinhosa, mas acrescentei ao amor e carinho uma certa dose de respeito. Que, com o passar dos dias, percebi não ser correspondida. Riblas, minha Ovelha Mágica, meu Velocino de Ouro, estava cada vez mais rebelde, mal educado, folgado e bagunceiro. Em uma fria tarde de outono, chego em casa e o que encontro? Meio sapato na boca da Ovelha! Por que a outra metade ele já havia destroçado. Furiosa, arranquei aquele farrapo da boca dele e ergui mão poderosa. Quando estava prestes a acertá-lo, ele, todo encolhido, fitou-me com olhos brilhantes, quase lagrimejantes e, com voz triste, calma porém firme, disse-me:

- Mulher, é importante que você saiba. Você tem uma missão especial, que é a de me cuidar e proteger. Sou uma criatura mitológica muito especial, a reencarnação do Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo (tende piedade de nós)!

Diante de minha perplexidade, mão suspensa ao alto, Riblas ainda teve tempo de contar que era ele o carneirinho que aparece do nada no momento em que Abraão, participante ilustre da maior pegadinha do malandro da história, estava prestes a sacrificar seu único filho, Isaac, à pedido de Deus Pai Todo Poderoso. E que, séculos depois, estava ele tão ligado ao filho de Deus, aquele barbudo cabeludo mó boa pinta, que seus epítetos se confundiam: "Cordeiro de Deus". Sem pensar, diante de tamanho despautério, atingi a cara dele com o meio sapato. Ele saiu correndo, rabo entre as pernas. Eu gritava, urrava, sentia-me traída, enganada:

- Como pode você ser ao mesmo tempo Velocino de Ouro e o Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo (tende piedade de nós)?

E das entranhas da terra, também conhecida como "debaixo do sofá", uma voz abafada, séria e definitiva fez-se ouvir:

- Mulher. Sou um sujeito dividido. Dividido entre a mitologia grega e a mitologia cristã. Você, psicanalista, deveria compreender dessa coisa de sujeito dividido melhor do que ninguém! Mas você não se provou digna, digna de ser minha guardiã. Adeus! 

No dia seguinte, lá estava ele, Riblas, comendo ração e fazendo traquinagens pelo quintal. E nunca mais falou comigo.


Nenhum comentário: