quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.

Tive um sonho, não tão belo quanto o de Martin [1], mas ainda assim um sonho. Em tempos sombrios, que parecem encobrir uma escuridão ainda maior porvir, sonhar, quando é possível dormir, costuma ser a melhor parte. 

No sonho, estava eu em Belo Horizonte, na praça Roosevelt (Existe por lá uma praça com este nome? Não sei, não importa, o trabalho do sonho segue seu próprio caminho de distorção). Estavam comigo nesta praça pessoas que lutam e que desejam outra coisa que não um Outro que autoriza e incentiva a violência, o discurso da segregação e cuja política econômica objetiva ferrar os trabalhadores (não se enganem!). Pessoas que, assim como eu, estão aflitas, com medo. 

Todos sabem ou deveriam saber: os sonhos são a realização, distorcida, de desejos inconscientes. Tal distorção requer muito trabalho, o "trabalho do sonho" no léxico freudiano. Em um de seus textos tardios encontrei uma formulação interessante, que corrobora aquilo que se percebe na clínica psicanalítica: em seu âmago o sonho expressa um desejo sexual infantil recalcado, ok. Mas em sua interpretação é possível encontrar várias camadas de significação, algumas mais superficiais, que expressam desejos imediatos, nem tão inconscientes assim. Segundo Freud "há dois tipos de motivo para a formação do sonho. Ou uma moção de impulso normalmente reprimida (um desejo inconsciente) encontrou durante o sono a força para se fazer valer no eu, ou uma aspiração que sobrou da vida de vigília, uma sequência pré-consciente de pensamentos com todas as moções conflituosas a ela ligadas, encontrou no sono um reforço por meio de um elemento inconsciente. Ou seja, sonhos provenientes do isso ou do eu."[2]

É como se meu Eu, menos inflado após tantos anos de análise, mais humilde e permeável ao saber inconsciente, tivesse-me dito ao Isso: Ajude aí cara, acalme a moça!! Explico-me: é que ao despertar lembrei-me imediatamente de um texto que lera na véspera [3]. Nele havia a citação de uma frase proferida por Roosevelt em seu primeiro discurso como presidente dos Estados Unidos: "A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo". Seria este o Belo Horizonte?  




quinta-feira, 18 de outubro de 2018

R-existir em Dourados

Na noite de ontem, o Seminário de Literatura e Psicanálise que conduzo em Dourados/MS seria sobre Hamlet; foi sobre outra coisa.
"Estou morta", diz uma participante. To be or not to be? Resistir.
Não foi sobre Hamlet, foi sobre democracia. 
No ato, o encontro tornou-se uma roda de conversa, não inesperada, mas sim, necessária.
A fala circula, cria corpo, ganha vozes, experiências são trocadas. Resistir.
Freud se faz presente: Por que a guerra? Que mal-estar é esse que vivemos hoje na cultura? Como entendê-lo, enfrentá-lo? A sexualidade permanece como questão, sintoma. Cadê os 3 ensaios sobre a teoria da sexualidade para nos ajudar a entender por que o kit gay, que não existe, insiste no discurso falacioso de quem quer nos silenciar? Daqueles que, tal como Édipo-Rei, último texto por nós estudado, não querem saber, não querem escutar? Resistir.
Mas como é r-existir em Dourados? Você sabe o que é Dourados? "Ruas feitas todas de flores e um pouco de sangue, isso é Dourados; índio não entra no Shopping que branco não gosta, isso é Dourados" [1] Pacientes, amigos, laços familiares perdidos. É o preço por posicionar-se publicamente. Não recuaremos! Os ouvidos têm paredes, de nada adianta gritar [2]. Como então sussurrar até que nossa voz atravesse as frestas das paredes dos ouvidos moucos?
TEAR DOWN THE WALL, nos grita Roger Waters, derrubem as paredes, derrubem o muro!
Chegamos ali, naquela noite quente, como ilhas. Ilhas isoladas num mar de ignorância e, porque não, canalhice. Mas por força das palavras, do ato de nos abraçar via palavra, nós, ilhas, nos movemos à ponto de formar um pequeno continente. Se o significante mestre for a democracia, vale à pena fazer grupo.
Por fim, outra participante traz Drummond:
Mãos dadas
"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente."
Saímos de lá. Vivos!
Francina Sousa.
#Haddad13
[1] - Dourados state of mind, Ruspô. Escutem:  https://www.youtube.com/watch?v=VgE--RGRRiw
[2] - Tiranias, Ruy Proença.