Em Dourados, no Ágora Instituto
Lacaniano e sob a condução de Claudia Wunsch, seguimos estudando A psicopatologia da vida cotidiana de
Freud, texto de 1901. De modo geral os psicanalistas sabem que se deve retornar
over and over à Freud: há sempre
algum canto, que se apresenta como novo, a ser iluminado. No meu caso, este
texto tem um sabor especial por me lembrar o quanto o inconsciente aparece nas
pequenas coisas do cotidiano, está na superfície, estruturado como uma
linguagem, basta que estejamos atentos.
No capítulo sobre os “Equívocos
na ação”, Freud gentilmente nos conta um episódio que se deu num período em que
uma de suas filhas encontrava-se doente. Em seu íntimo, Freud já a havia desenganado.
Porém, na manhã em que soube “que tinha havido uma grande melhora” e que ela
provavelmente sobreviveria, ao passar por um quarto de roupão e chinelos de
palha, cede à um impulso repentino e atira um dos chinelos na parede, de modo a
fazer cair e despedaçar-se no chão uma estátua de mármore da deusa Vênus. Sua
interpretação sobre o ocorrido: “Meu acesso de fúria destrutiva serviu,
portanto, para expressar um sentimento de gratidão ao destino, e me permitiu
realizar um ‘ato sacrificial’, como se tivesse feito uma promessa de
sacrificiar isto ou aquilo como uma oferenda, caso ela recuperasse a saúde!”
A primeira ideia que me ocorreu
foi um vago pensamento sobre o quanto a religiosidade nos antecede e compõe as
coordenadas simbólicas nas quais nos inscrevemos. A noção de um ser superior
que nos protege e nos pune, ainda que o chamemos Destino, é mais forte no
inconsciente que qualquer consciência laica. O Freud ateu, de “Totem e Tabu” e “O
futuro de uma ilusão” não se furtou a realizar um ritual de sacrifício em nome
da melhora de sua filha.
Um comentário:
Fran querida! Que ótimo texto! Me sinto te ouvindo falar um pouquinho sobre a psicanálise e como o inconsciente está mais que presente (as vezes esqueço..) em nossos atos cotidianos, em nossos atos falhos. Compartilhar essa (ótima) passagem de Freud "despedaçando a vênus" me fez adentrar em seu pensamento sobre a religiosidade imbuída em nossa cultura e em nós e essa estória hilária do relógio me fez rir (que estória é essa que eu não sei? kkk) e me lembrar de quem vc foi e de quem vc é.
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