quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Meu encontro com Freud


Um homem aproximou-se e estendeu-me a mão. Apresentou-se como Mário de Andrade e aquele parecia um nome importante. Conversamos por algum tempo, na verdade ele falava e eu ouvia, e achei tudo o que ele dizia fascinante. Contou-me sobre uma professora quarentona de francês e suas fantasias relacionadas à certa catedral. Deu-me pistas sobre algo que anos mais tarde eu conheceria como histeria. Mas a história que mais me impressionou foi a de um jantar protagonizado por um delicioso peru. Protagonizado? Não, não sei se posso me expressar assim.  Mas em um primeiro momento o peru pareceu-me o elemento central daquela história. Mario alertou-me: “tem certeza de que é do peru que se trata?” Tentou então explicar-me sobre o pai, que na história estava morto, logo, eu não havia lhe dado muita importância. Era simbólico demais pra a minha cabeça de dezesseis anos, mas dizem os psicanalistas que o pai, no plano simbólico, é o pai morto, não? Mario percebeu minha inquietação e disse: “Se você esta achando esta conversa interessante, deveria conhecer outro homem”, e o apresentou como Freud. Nome familiar, afinal, quem na vida não ouvira a máxima “Freud explica”? Este tal de Freud, com um charuto entre os dedos e uma barba bem feita, começou a falar animadamente sobre certas instâncias psíquicas, id, ego e superego e o mais chocante, sobre sexualidade infantil. “O que? Eu já desejei ter um filho de meu pai?” arregalei os olhos! A única coisa que consegui de fato entender é que o ser humano não é onde pensa ser, coisa que Lacan explicou-me bem anos depois. Deixei toda aquela complicação de lado.
Tempos depois um homem feio, de barba comprida e cabelos ralos, com um nome estranhíssimo, achegou-se a mim com um papo sobre um assassinato. O assassino tinha um nome ainda mais estranho que o seu: Raskólnikov. O jovem assassino, que se considerava um homem extraordinário, sucumbe à culpa e não vê saída senão confessar seu crime. Ou teria cometido o crime movido por ela? Fiquei curiosa com essa coisa de culpa. De onde ela viria? O homem barbudo, Dostoiévski eu acho, disse-me que lá no fundo todos nós já desejamos cometer um assassinato. Fiquei perplexa. Ele tentou explicar-me a questão com mais uma de suas histórias: a de um pai que é assassinado por um de seus filhos. Que horror! Mas a história era tão atraente que em vários momentos cheguei a pensar que aquele Karamazov, pai todo gozador, merecia mesmo o destino que lhe fora traçado. Percebendo minha empolgação, Dostoiévski contou-me que conhecia um homem que parecia saber muito sobre a alma humana (não mais que ele é certo!). “Ele até escreveu um artigo sobre minha pessoa!” disse-me. Mais uma vez quem apareceu foi aquele senhor barbudo da sexualidade infantil. Bem, tive de depor minhas armas...

Um comentário:

Игорь disse...

Раскольников= cisão = divisão.

Post muto interessante.