segunda-feira, 20 de julho de 2020

Dark

Como usar a série DARK em suas redações?

 "Sofreu assim no exílio, procurando a maneira de matá-la com a sua própria morte, até que ouviu alguém contar a velha história do homem que se casou com uma tia que, além disso, era sua prima, e cujo filho acabou sendo avô de si mesmo." (Cem anos de solidão, Gabriel García Marquez)  

É tarde, o frisson já passou, mas eu também quero escrever algo sobre Dark.

Algo pouco, viés. Pequeno olhar, ou quem sabe delírio, sobre uma cena que ilumina a obscura trama. Na metade da terceira e derradeira temporada, no quarto episódio, a revelação: o estranho do lábio leporino, o sem nome, que é três, passado presente e futuro que caminham juntos, o vemos escrevendo. E ele escreve o que? Um livro. Espécie de Melquíades, ele escreve o livro que, de tanto figurar nas mãos do pastor Noah, ganha ares de Sagrada Escritura. E é. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus", lê-se no Evangelho segundo João, na nossa bíblia. "O começo é o fim, o fim é o começo", é como Ele, o estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, arremata a sua.

Na capa, a triqueta, símbolo que representa a Santíssima Trindade (na mitologia cristã), o Infinito, a Eternidade... Sic Mundus Creatus Est. No conteúdo da obra, começo meio e fim, coordenadas de como aquela trama, aquele drama todo deve se desenrolar por todo o sempre ( tal livro é a "bíblia", a "teogonia" que rege o mundo de Jonas/Adam; deve haver outro, um livro espelho, que rege o mundo de Martha/Eva). O Estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, Ele é o começo, a origem, o nó. Sem nome próprio, e ele mesmo conta que nunca recebeu um, na única cena em que é visto abraçando sua mãe, Martha, é para o espanto desta. O abraço é mal correspondido. Sozinho, ele só interage consigo mesmo, ainda que através de outros. E tudo em seu mesquinho universo de mundos espelhados existe para que a tragédia que Ele é ocorra repetidas, infinitas vezes. Parece uma neurose.

Mas como Ele não viu que uma só Cláudia transitava dois mundos? É que enquanto Ele, como um bebê, tá lá no esforço de fazer com que o mundo dos pais gire por causa e em torno dele, Ele não vê. Esse sujeito é falho, um Deus nem onipotente, nem onisciente, nem onipresente. Assim como o Eu/ego não é senhor em sua morada, lembro-me aqui de Freud, Ele não é senhor em seu próprio universo, há uma falha. Cláudia.

Na cena seguinte, o momento de sua concepção: sem banho, ao som triste e melancólico da bela canção de Asaf Avidan, Jonas e Martha transam e ela engravida daquele que será seu bisavô. O looping que se repete over and over está contido ali, no encontro de dois mundos que se originaram da explosão de um terceiro, original, fora do tempo que forma o nó, entretanto, verdadeira causa deste. A música é espetáculo a parte: The labyrinth song é o lamento de um Teseu que canta para sua Ariadne, "oh Ariadne, eu falhei com você neste labirinto do meu passado." Quem nunca? E sim, tem o adorável nada por acaso detalhe de que o mito grego do Minotauro, no qual Ariadne liga-se e guia seu amado através de um fio pelo labirinto da besta fera, é referência constante na Série. E o que é Dark senão amontoado de pessoas perdidas no labirinto de um passado que imprime supostos futuros já de antemão determinados? Ok, é mais que isso. Mas parece uma neurose.

Em tempo, na mesma cena: enquanto Silja (irmã de Cláudia e Jonas, tia-vó de Bartosz, que será pai de seus filhos Noah e Agnes) vai, ainda na barriga de sua mãe, não se sabe para onde, Cláudia aproveita a bela trilha sonora e vai lá ter sua primeira relação sexual com Tronte, seu trineto (seria nada estranho um bebê com rabo de porco ter aparecido nesse rolo todo). "Sorte" que não é dele que Cláudia engravida, caso contrário, ela e sua filha Regina estariam, tal como os outros, irremediavelmente presas ao nó, àquele Universo de dois mundos que jamais deveria ter existido, falha na Matrix. 




quarta-feira, 8 de julho de 2020

O mundo anda tão complicado

Adoro as músicas da Legião Urbana que cantam sobre o simples, sobre o cotidiano. Um pé atrás: quando gosto de uma música na maioria das vezes é porque algo do som agradou-me, a melodia, se posso assim dizer. Mesmo naquelas cantadas em português, o que chega primeiro são os instrumentos musicais, voz aí incluída sim, mas como blá blá blá, nhem nhem nhem. Talvez por isso nunca tenha conseguido acompanhar a paixão de que sofre minha bolha pela MPB. 

Mas, retornando ao que dizia, adoro a poesia simples, que canta o cotidiano, de certas canções da Legião. E como "o mundo anda tão complicado", tenho pensado muito nesta música com a qual tanto me identifico, que fala de um momento tão gostoso: quando dois, do jeito que podem, juntam-se para partilhar uma vida sob o mesmo teto, deixando "a segurança do seu mundo por amor". É isso.