domingo, 31 de maio de 2020

Vejam só, que bonita a forma como Dostoiévski  escreve sobre lembranças infantis ao narrar sua personagem que perdeu a mãe aos três anos de idade e que conserva desta a lembrança de seu rosto e de seus carinhos. Escreve ele que as lembranças infantis "podem ser conservadas (e todo mundo sabe disso) desde a mais tenra idade, até desde os dois anos, mas durante toda a vida só se manifestam como uma espécie de pontos de luz saídos das trevas, de um cantinho de um imenso quadro que se apagou e desapareceu por inteiro, excetuando-se apenas esse cantinho." Achei bonito isto, fez-me pensar no Freud das lembranças encobridoras e no quanto esses cantinhos iluminados da memória são fotografias que recobrem enquadramentos psíquicos que nos perseguem, que se reatualizam e se eternizam no moldar nossa realidade, sempre psíquica. Na lembrança que este garoto guardou de sua mãe, ela esta muito aflita, chorando, o abraçando à ponto de machucar e, desesperada, o ergue em direção à imagem de Nossa Senhora, como quem o entrega para que a Virgem o proteja. "Que quadro!", escreve Dostoiévski. Será acaso tal personagem tornar-se noviço? À propósito, estou falando de Aliócha Karamazov.