
"Sofreu assim no exílio, procurando a maneira de matá-la com a sua própria morte, até que ouviu alguém contar a velha história do homem que se casou com uma tia que, além disso, era sua prima, e cujo filho acabou sendo avô de si mesmo." (Cem anos de solidão, Gabriel García Marquez)
É tarde, o frisson já passou, mas eu também quero escrever algo sobre Dark.
Algo pouco, viés. Pequeno olhar, ou quem sabe delírio, sobre uma cena que ilumina a obscura trama. Na metade da terceira e derradeira temporada, no quarto episódio, a revelação: o estranho do lábio leporino, o sem nome, que é três, passado presente e futuro que caminham juntos, o vemos escrevendo. E ele escreve o que? Um livro. Espécie de Melquíades, ele escreve o livro que, de tanto figurar nas mãos do pastor Noah, ganha ares de Sagrada Escritura. E é. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus", lê-se no Evangelho segundo João, na nossa bíblia. "O começo é o fim, o fim é o começo", é como Ele, o estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, arremata a sua.
Na capa, a triqueta, símbolo que representa a Santíssima Trindade (na mitologia cristã), o Infinito, a Eternidade... Sic Mundus Creatus Est. No conteúdo da obra, começo meio e fim, coordenadas de como aquela trama, aquele drama todo deve se desenrolar por todo o sempre ( tal livro é a "bíblia", a "teogonia" que rege o mundo de Jonas/Adam; deve haver outro, um livro espelho, que rege o mundo de Martha/Eva). O Estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, Ele é o começo, a origem, o nó. Sem nome próprio, e ele mesmo conta que nunca recebeu um, na única cena em que é visto abraçando sua mãe, Martha, é para o espanto desta. O abraço é mal correspondido. Sozinho, ele só interage consigo mesmo, ainda que através de outros. E tudo em seu mesquinho universo de mundos espelhados existe para que a tragédia que Ele é ocorra repetidas, infinitas vezes. Parece uma neurose.
Mas como Ele não viu que uma só Cláudia transitava dois mundos? É que enquanto Ele, como um bebê, tá lá no esforço de fazer com que o mundo dos pais gire por causa e em torno dele, Ele não vê. Esse sujeito é falho, um Deus nem onipotente, nem onisciente, nem onipresente. Assim como o Eu/ego não é senhor em sua morada, lembro-me aqui de Freud, Ele não é senhor em seu próprio universo, há uma falha. Cláudia.
Na cena seguinte, o momento de sua concepção: sem banho, ao som triste e melancólico da bela canção de Asaf Avidan, Jonas e Martha transam e ela engravida daquele que será seu bisavô. O looping que se repete over and over está contido ali, no encontro de dois mundos que se originaram da explosão de um terceiro, original, fora do tempo que forma o nó, entretanto, verdadeira causa deste. A música é espetáculo a parte: The labyrinth song é o lamento de um Teseu que canta para sua Ariadne, "oh Ariadne, eu falhei com você neste labirinto do meu passado." Quem nunca? E sim, tem o adorável nada por acaso detalhe de que o mito grego do Minotauro, no qual Ariadne liga-se e guia seu amado através de um fio pelo labirinto da besta fera, é referência constante na Série. E o que é Dark senão amontoado de pessoas perdidas no labirinto de um passado que imprime supostos futuros já de antemão determinados? Ok, é mais que isso. Mas parece uma neurose.
Em tempo, na mesma cena: enquanto Silja (irmã de Cláudia e Jonas, tia-vó de Bartosz, que será pai de seus filhos Noah e Agnes) vai, ainda na barriga de sua mãe, não se sabe para onde, Cláudia aproveita a bela trilha sonora e vai lá ter sua primeira relação sexual com Tronte, seu trineto (seria nada estranho um bebê com rabo de porco ter aparecido nesse rolo todo). "Sorte" que não é dele que Cláudia engravida, caso contrário, ela e sua filha Regina estariam, tal como os outros, irremediavelmente presas ao nó, àquele Universo de dois mundos que jamais deveria ter existido, falha na Matrix.
Algo pouco, viés. Pequeno olhar, ou quem sabe delírio, sobre uma cena que ilumina a obscura trama. Na metade da terceira e derradeira temporada, no quarto episódio, a revelação: o estranho do lábio leporino, o sem nome, que é três, passado presente e futuro que caminham juntos, o vemos escrevendo. E ele escreve o que? Um livro. Espécie de Melquíades, ele escreve o livro que, de tanto figurar nas mãos do pastor Noah, ganha ares de Sagrada Escritura. E é. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus", lê-se no Evangelho segundo João, na nossa bíblia. "O começo é o fim, o fim é o começo", é como Ele, o estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, arremata a sua.
Na capa, a triqueta, símbolo que representa a Santíssima Trindade (na mitologia cristã), o Infinito, a Eternidade... Sic Mundus Creatus Est. No conteúdo da obra, começo meio e fim, coordenadas de como aquela trama, aquele drama todo deve se desenrolar por todo o sempre ( tal livro é a "bíblia", a "teogonia" que rege o mundo de Jonas/Adam; deve haver outro, um livro espelho, que rege o mundo de Martha/Eva). O Estranho, passado presente e futuro que caminham juntos, Ele é o começo, a origem, o nó. Sem nome próprio, e ele mesmo conta que nunca recebeu um, na única cena em que é visto abraçando sua mãe, Martha, é para o espanto desta. O abraço é mal correspondido. Sozinho, ele só interage consigo mesmo, ainda que através de outros. E tudo em seu mesquinho universo de mundos espelhados existe para que a tragédia que Ele é ocorra repetidas, infinitas vezes. Parece uma neurose.
Mas como Ele não viu que uma só Cláudia transitava dois mundos? É que enquanto Ele, como um bebê, tá lá no esforço de fazer com que o mundo dos pais gire por causa e em torno dele, Ele não vê. Esse sujeito é falho, um Deus nem onipotente, nem onisciente, nem onipresente. Assim como o Eu/ego não é senhor em sua morada, lembro-me aqui de Freud, Ele não é senhor em seu próprio universo, há uma falha. Cláudia.
Na cena seguinte, o momento de sua concepção: sem banho, ao som triste e melancólico da bela canção de Asaf Avidan, Jonas e Martha transam e ela engravida daquele que será seu bisavô. O looping que se repete over and over está contido ali, no encontro de dois mundos que se originaram da explosão de um terceiro, original, fora do tempo que forma o nó, entretanto, verdadeira causa deste. A música é espetáculo a parte: The labyrinth song é o lamento de um Teseu que canta para sua Ariadne, "oh Ariadne, eu falhei com você neste labirinto do meu passado." Quem nunca? E sim, tem o adorável nada por acaso detalhe de que o mito grego do Minotauro, no qual Ariadne liga-se e guia seu amado através de um fio pelo labirinto da besta fera, é referência constante na Série. E o que é Dark senão amontoado de pessoas perdidas no labirinto de um passado que imprime supostos futuros já de antemão determinados? Ok, é mais que isso. Mas parece uma neurose.
Em tempo, na mesma cena: enquanto Silja (irmã de Cláudia e Jonas, tia-vó de Bartosz, que será pai de seus filhos Noah e Agnes) vai, ainda na barriga de sua mãe, não se sabe para onde, Cláudia aproveita a bela trilha sonora e vai lá ter sua primeira relação sexual com Tronte, seu trineto (seria nada estranho um bebê com rabo de porco ter aparecido nesse rolo todo). "Sorte" que não é dele que Cláudia engravida, caso contrário, ela e sua filha Regina estariam, tal como os outros, irremediavelmente presas ao nó, àquele Universo de dois mundos que jamais deveria ter existido, falha na Matrix.